segunda-feira, 22 de junho de 2009

Relativizando crimes bárbaros

Hoje encontrei um vídeo mostrando um suposto estuprador levando pauladas até a morte, após ter sido flagrado abusando de uma menina de 3 anos, segundo o site Ecos da Notícia. Como não pude constatar nada, considero tudo suposto: o acusado, o motivo e a próprio contexto do vídeo. A fonte do site Ecos da Notícia, onde encontrei isso, foi a TV Canal 13 (Piauí). Inclusive, não encontrei essa notícia no site da TV Canal 13, o que torna tudo mais duvidoso ainda.

Confiável ou não, os leitores reagiram no espaço destinado a comentários acreditando se tratar de uma verdade, como é esperado que reajam.

Para mim, homens que obtêm prazer às custas do sofrimento e da degradação de outra pessoa são monstros, e os piores são os que abusam de pessoas indefesas. Pra mim, eles deviam ser castrados, presos para sempre, sofrer um abuso proporcional, apanhar muito e, dependendo da minha revolta, até morrer da pior morte possível.

No vídeo, o rapaz, semi-nu e desarmado, é perseguido por uma multidão, debaixo de gritos de "vai morrer!". Uns dez elementos dessa multidão, armados de paus, canos e barras de ferro, batem com força, sem dó, mirando na cabeça e no tórax. O rapaz já está deitado, vulnerável e mais do que vencido, porém continua apanhando brutalmente. Até que, satifeita, a multidão cessa, após constatar a inércia ensangüentada do rapaz. Num último esforço de fuga, o rapaz levanta subitamente e, cambaleante, ensaia uma disparada que não lhe rende nem dez metros. Cai sozinho como se fosse um saco de carne e fica definitivamente imóvel, esparramado no asfalto. Alguns dizem: "morreu", sem nenhum resquício de horror, misericórdia ou remorso.

O vídeo termina. Eu leio os comentários, enquanto reflito.

Nas opiniões que se seguem, palavra filha foi usada aproximadamente 85 vezes, só para dizer que quem defendeu estuprador é hipócrita. Já a palavra errado (que é muito mais genérica) foi usada apenas 27 vezes, condenando o espancamento. Isso, para demonstrar a desproporcionalidade das opiniões.

Penso mais um pouco.

Uma coisa é eu desejar ou fantasiar o sofrimento e a morte a um bandido desumano. Outra completamente diferente é fazer isso ou aceitar esse fato e ainda concordar com ele.

Assim, o que mais me impressionou na exibição desse vídeo não foi a violência explícita. Ela realmente choca e dá repulsa de ver. No entanto, muito pior, é a quantidade de pessoas que não só consideraram correto esse assassinato, como comemoraram-no com regozijo.

Parece que houve uma comoção geral aprovando o vídeo, como se ele lavasse a alma de um certo tipo de gente que, ao invés de ver a bárbarie, vê o espetáculo. Essa gente viu a covardia do estupro presumido, tampando os olhos para covardia mais que explícita da agressão de muitos a um só, sem direito a defesa, da torturante certeza de morte iminente. Só considera o crime de estupro, e não o crime de assassinato cheio de agravantes. Seu lema é: bandido bom é bandido morto, mas uns são mais bandidos que outros.

Chego a pensar que pessoas que concordam com isso não são muito diferentes de nazistas ou inquisidores medievais. Essas pessoas que comemoram o vídeo certamente são as mesmas que reclamam da violência urbana, mas estão de acordo com a justiça com as próprias mãos. Querem manifestar seu direito de opinião e de falar as maiores atrocidades sem que sejam censurados, mas simplesmente desconhecem os sentidos (ou ignoram o valor) do direito ao contraditório e de um julgamento justo. Repudiam esse ato selvagem do estupro (repito: apenas presumido), contudo se entusiasmam alegremente com a selvageria da tortura.

Para mim, homens que obtêm prazer às custas do sofrimento e da degradação de outra pessoa são monstros, e os piores são os que abusam de pessoas indefesas.

Somos todos estupradores.

Um comentário:

turbina de ideias disse...

Não tenho nada pra acrescentar ao seu palpite, Zé.Perfeito. Desnudas a hipocrisia sem piedade.