No local onde trabalho, estávamos precisando de um estagiário em comunicação social. A remuneração não era para enricar ninguém, mas era bastante satisfatória, acima do salário mínimo e 20horas semanais.
Pelas condições, não era qualquer estágio. Lá é um lugar onde se entra em contato com a nossa área de atuação o tempo inteiro e é onde todos procuram informações concretas. Além disso, relatórios são produzidos quase todos os dias, às vezes mais de um por dia. Teria sido excelente, pelo menos para mim, que, durante a faculdade cheguei a aceitar jornadas de quase 40horas semanais de graça (sem nem esperar certificado), dando-me por muito satisfeito apenas com a experiência adquirida.
Pois estava quase tudo fechado para contratar a menina. Não sei se ela chegou por indicação ou por publicidade do pedido. Mas, curiosamente, era linda, estilo modelo. Pele parecendo um veludo rosa, sobre pouco além de umas costelas; cabelos quase loiros, lisos e esvoaçantes; olhos claros; dentes que deixariam um dono de um Steinway com inveja. Ao passar perto de mim, parecia deixar o mundo em câmera lenta.
Não concordo que se contrate uma moça pela beleza, ignorando-se a competência da melhor candidata. Isso pode ser bom para os marmanjos de plantão encostados nos ombros dos que trabalham, entretanto, para esses que trabalham, pode ser uma dor de cabeça. Mas...(!) não posso negar que me entusiasmou a perspectiva de o nosso dia ficar mais bonito, agradável, cheiroso e motivante para comparecer ao serviço.
Pois bem, ela já tinha sido entrevistada e já se preparava para começar. Na mesma época caiu a bomba: com a nova lei de estágios, a remuneração dos estagiários cairia (e caiu) algo em torno de 25%. Todos as nossas estagiárias (mais uma vez, curiosamente, só temos meninas como estagiárias - as mulheres estão dominando o mundo), também bonitas, diga-se, obviamente chiaram.
"É um absurdo!", disseram todas. Absurdo, absurdo, não é. É lamentável, é sacanagem, é injusto, mas absurdo mesmo não é. Elas receberiam vale-transporte (coisa que nem eu tenho) e custeio de alimentação. Como eu disse, na minha época, trabalhava-se muito mais no estágio, por muito menos. E éramos conformados. Absurdo seria receber sem fazer nada.
Porém, entre reclamações e promessas de que todas sairiam, ainda estão todas lá, planejando a renovação do contrato.
Por causa da época, as demandas comunicativas aumentaram substancialmente. Daí, tínhamos urgência pelo início das atividades da nova estagiária. O tempo passou, demos um jeito de suprir as necessidades e a nova estagiária não começou. Eis que um belo dia foi-me apresentada a estagiária de comunicação.
Diferente da primeira, ela não se encaixava em nenhum estereótipo de modelo: era preta, cheinha, do cabelo alisado sem escova japonesa (ou algo do tipo), dentes um pouco tortos e até um pouco estrábica.
A primeira estagiária havia recusado a oferta, que foi repassada até chegar a esta outra candidata.
A descrição dessa nova estagiária pode ter chocado o leitor, por ter soado preconceituosa. Não. Essa estagiária, como toda jovem adultinha também é linda. Todavia, sua apresentação era visivelmente menos bem-cuidada. Imagino eu, não por menos vaidade. Toda mulher, mulher, é vaidosa. Mas esta, definitivamente, não usou os mesmos recursos para deixar a aparência como ela merecia.
Minha primeira reação foi, na frustração das minhas fantasias, tentar entender por que a primeira largou. Não demorou muito, e foi fácil matar essa: foi a remuneração reduzida. E qual a diferença entre as duas que levou a segunda a aceitar?
Como parti do princípio que toda mulher, mulher, é vaidosa, posso concluir que nenhuma mulher, mulher, é menos atraente que outra porque quer. Se ela não utilizou os mesmos recursos da primeira, para ter uma aparência estonteante, como eu havia dito, só dá pra supor que a nossa ex-futura e fracassada estagiária (a primeira) tem mais dinheiro que a vitoriosa (a atual), no mínimo.
Nem precisava de todo esse método dedutivo para dizer que a primeira era rica e a atual é pobre. Só pela descrição das duas, já dava para supor, começando pela cor da pele.
Foi quando eu percebi. Como a nova remuneração não condizia com o teórico padrão de vida da primeira estagiária, ela o recusou. Depois, fiquei sabendo que a demora para que um estagiário inciasse os trabalhos se deveu à resistência dos estudantes em se oferecer para estágios com remuneração um pouco mais baixa. É aí que vem a verdadeira sacanagem. Estágio, hoje, está perdendo o sentido de aprendizado e prática profissional, e está tendo uma procura muito mais pela remuneração. Estágio está sendo encarado como fonte de renda, local de trabalho. E não deveria ser!
A nova estagiária "aceitou" trabalhar conosco porque, de duas, uma: ou queria muito entrar num lugar que se vê tudo na prática o tempo todo (que é o que eu acredito) ou a remuneração agora condizia com o padrão de vida dela.
Se pensarmos que as estagiárias podem ter chegado por indicação de alguém lá dentro (e eu estou considerando levando muito a sério essa hipótese), é aí que vemos a verdadeira injustiça. Vamos constatar que a primeira e a última oportunidade foram dadas, respectivamente, a uma menina de boas condições de vida e a uma outra vinda de uma realidade já desfavorecida. Uma menina que procurava preferencialmente uma maneira de pagar os cartões de crédito sem depender do pai e outra que procurava preferencialmente um lugar para aprender. Uma menina branca e uma menina preta.
Lamentável, sacanagem, injustiça.
Um absurdo.
Pelas condições, não era qualquer estágio. Lá é um lugar onde se entra em contato com a nossa área de atuação o tempo inteiro e é onde todos procuram informações concretas. Além disso, relatórios são produzidos quase todos os dias, às vezes mais de um por dia. Teria sido excelente, pelo menos para mim, que, durante a faculdade cheguei a aceitar jornadas de quase 40horas semanais de graça (sem nem esperar certificado), dando-me por muito satisfeito apenas com a experiência adquirida.
Pois estava quase tudo fechado para contratar a menina. Não sei se ela chegou por indicação ou por publicidade do pedido. Mas, curiosamente, era linda, estilo modelo. Pele parecendo um veludo rosa, sobre pouco além de umas costelas; cabelos quase loiros, lisos e esvoaçantes; olhos claros; dentes que deixariam um dono de um Steinway com inveja. Ao passar perto de mim, parecia deixar o mundo em câmera lenta.
Não concordo que se contrate uma moça pela beleza, ignorando-se a competência da melhor candidata. Isso pode ser bom para os marmanjos de plantão encostados nos ombros dos que trabalham, entretanto, para esses que trabalham, pode ser uma dor de cabeça. Mas...(!) não posso negar que me entusiasmou a perspectiva de o nosso dia ficar mais bonito, agradável, cheiroso e motivante para comparecer ao serviço.
Pois bem, ela já tinha sido entrevistada e já se preparava para começar. Na mesma época caiu a bomba: com a nova lei de estágios, a remuneração dos estagiários cairia (e caiu) algo em torno de 25%. Todos as nossas estagiárias (mais uma vez, curiosamente, só temos meninas como estagiárias - as mulheres estão dominando o mundo), também bonitas, diga-se, obviamente chiaram.
"É um absurdo!", disseram todas. Absurdo, absurdo, não é. É lamentável, é sacanagem, é injusto, mas absurdo mesmo não é. Elas receberiam vale-transporte (coisa que nem eu tenho) e custeio de alimentação. Como eu disse, na minha época, trabalhava-se muito mais no estágio, por muito menos. E éramos conformados. Absurdo seria receber sem fazer nada.
Porém, entre reclamações e promessas de que todas sairiam, ainda estão todas lá, planejando a renovação do contrato.
Por causa da época, as demandas comunicativas aumentaram substancialmente. Daí, tínhamos urgência pelo início das atividades da nova estagiária. O tempo passou, demos um jeito de suprir as necessidades e a nova estagiária não começou. Eis que um belo dia foi-me apresentada a estagiária de comunicação.
Diferente da primeira, ela não se encaixava em nenhum estereótipo de modelo: era preta, cheinha, do cabelo alisado sem escova japonesa (ou algo do tipo), dentes um pouco tortos e até um pouco estrábica.
A primeira estagiária havia recusado a oferta, que foi repassada até chegar a esta outra candidata.
A descrição dessa nova estagiária pode ter chocado o leitor, por ter soado preconceituosa. Não. Essa estagiária, como toda jovem adultinha também é linda. Todavia, sua apresentação era visivelmente menos bem-cuidada. Imagino eu, não por menos vaidade. Toda mulher, mulher, é vaidosa. Mas esta, definitivamente, não usou os mesmos recursos para deixar a aparência como ela merecia.
Minha primeira reação foi, na frustração das minhas fantasias, tentar entender por que a primeira largou. Não demorou muito, e foi fácil matar essa: foi a remuneração reduzida. E qual a diferença entre as duas que levou a segunda a aceitar?
Como parti do princípio que toda mulher, mulher, é vaidosa, posso concluir que nenhuma mulher, mulher, é menos atraente que outra porque quer. Se ela não utilizou os mesmos recursos da primeira, para ter uma aparência estonteante, como eu havia dito, só dá pra supor que a nossa ex-futura e fracassada estagiária (a primeira) tem mais dinheiro que a vitoriosa (a atual), no mínimo.
Nem precisava de todo esse método dedutivo para dizer que a primeira era rica e a atual é pobre. Só pela descrição das duas, já dava para supor, começando pela cor da pele.
Foi quando eu percebi. Como a nova remuneração não condizia com o teórico padrão de vida da primeira estagiária, ela o recusou. Depois, fiquei sabendo que a demora para que um estagiário inciasse os trabalhos se deveu à resistência dos estudantes em se oferecer para estágios com remuneração um pouco mais baixa. É aí que vem a verdadeira sacanagem. Estágio, hoje, está perdendo o sentido de aprendizado e prática profissional, e está tendo uma procura muito mais pela remuneração. Estágio está sendo encarado como fonte de renda, local de trabalho. E não deveria ser!
A nova estagiária "aceitou" trabalhar conosco porque, de duas, uma: ou queria muito entrar num lugar que se vê tudo na prática o tempo todo (que é o que eu acredito) ou a remuneração agora condizia com o padrão de vida dela.
Se pensarmos que as estagiárias podem ter chegado por indicação de alguém lá dentro (e eu estou considerando levando muito a sério essa hipótese), é aí que vemos a verdadeira injustiça. Vamos constatar que a primeira e a última oportunidade foram dadas, respectivamente, a uma menina de boas condições de vida e a uma outra vinda de uma realidade já desfavorecida. Uma menina que procurava preferencialmente uma maneira de pagar os cartões de crédito sem depender do pai e outra que procurava preferencialmente um lugar para aprender. Uma menina branca e uma menina preta.
Lamentável, sacanagem, injustiça.
Um absurdo.
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