quarta-feira, 25 de março de 2009

Carta para o chefe

Um dia, no meu trabalho, estava eu combinando uma atividade, de interesse do serviço, com uma diretora de outro setor. Esse combinado foi quase todo feito por e-mail. Conversa vai, conversa vem, eu digo que prefiro marcarmos à tarde por "condições matutinas de absoluta preguiça" (com essa mesma debochada expressão).

Tudo ocorreu normalmente. Porém, responsável que sou, para conscientizar meu chefe imediato da atividade que eu estava desenvolvendo, da forma mais transparente possível, cometi a bobagem de repassar a ele toda a longa conversa por e-mail, na íntegra, sem cortes.

Recebi, como prêmio um comunicado, contendo a seguinte resposta:

"(...)
Mas lembre-se: você não precisa, nem deve expor uma condição pessoal. Aqui, você tem que ter profissionalismo, e não preguiça. Especialmente, levando-se em conta que sua força de vontade deve, isso sim, superá-la.
(...)"

Da parte daquela diretora, não houve problema algum com a palavra "preguiça", e isso tinha ficado muito claro ao longo da troca de mensagens. Mas como o meu chefe entendeu mal o contexto, a situação exigia uma resposta. Comecei, então, a elaborá-la, cuidadosa e detalhadamente. Depois de vários minutos, talvez uma hora de escrever, ler, apagar e reescrever, enviei um e-mail que não poderia ter sido mais diplomático:

"
(...)
Gostaria de esclarecer que nunca me achei preguiçoso, nem mesmo de manhã - como se pode perceber no meu dia-a-dia. Aquilo foi uma pequena expressão descontraída, entre bons amigos. No caso, somente quis dizer que preferiria um horário à tarde. E, bem-humorado, reafirmar minha opinião de que marcássemos um horário a critério dela.
Como, apenas por causa do seu aviso percebi os problemas de se dizer coisas desse tipo em meios institucionais, humildemente, aceito suas críticas, concordo com elas e agradeço-as.
Confio em que isso não o deixe com más impressões sobre meu desempenho e responsabilidade aqui, como meu superior, como colega de trabalho e como pessoa.

Sem mais,

Atenciosamente,

José Cabudo."

Muito bem. Essa é a resposta mais adequada e até tem uma dose de verdade. Todavia, no fundo, ela não foi muito sincera.

Se eu apertasse a tecla SAP para ele, a tradução instantânea ficaria assim:

"Gostaria de esclarecer que nunca me achei preguiçoso, nem mesmo de manhã (Preste bem atenção: não sou preguiçoso, embora eu tenha, sim, preguiça de acordar cedo, o que nunca foi problema)

- como se pode perceber no meu dia-a-dia (- como você fica aí escondido no seu gabinete, não participa do nosso trabalho; por isso, para acreditar que eu sou preguiçoso, o senhor não deve ver mesmo o quanto dou duro aqui).

Aquilo foi uma pequena expressão descontraída (Caso não tenha percebido, aquela palavra não era para ser interpretada literalmente),

entre bons amigos (porque talvez, o senhor, sisudo como é, não saiba o significado da palavra "brincadeira").

No caso, somente quis dizer que preferiria um horário à tarde (Já que o senhor não fez o menor esforço para entender, posso explicar: eu tinha uma preferência por um motivo que, imediatamente, já confessava fútil, o que, de antemão, eu sabia não ser problema para a minha interlocutora).

E, bem-humorado, reafirmar minha opinião de que marcássemos um horário a critério dela. (Sendo eu uma pessoa que tenta ser agradável, fiz uma piada para dar razão a ela, caso optasse pela alternativa contrária à minha).

Como, apenas por causa do seu aviso percebi os problemas de se dizer coisas desse tipo em meios institucionais (Como fui burro ao não omitir essa parte da conversa, acabando por expor minha preguiça à pessoa errada: o senhor),

humildemente (puto da vida),

aceito suas críticas, concordo com elas e agradeço-as (doravante vou tomar mais cuidado com as informações que eu lhe prestar).

Confio em que isso não o deixe com más impressões sobre meu desempenho e responsabilidade aqui (Espero que, agora, o senhor tenha entendido uma coisa tão simples de um diálogo inocente),

como meu superior (como repressor),

como colega de trabalho (como alguém que não devia dar lições a quem já não é mais criança há muito tempo)

e como pessoa (e como alguém normal).

Sem mais (Se o senhor não tiver entendido, posso desenhar),

Atenciosamente (Vai 70w@ no meio do $3n &#)

José Cabudo (funcionário chefiado pelo senhor, admirado com a sua competência em chegar aonde está, mesmo sendo preguiçoso para interpretar um texto fácil)

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