quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Mea-culpa

Sou racista. Não acho bonito isso, mas eu sei que sou. Não que eu seja branquelo azedo. Não posso ser branco, porque sou brasileiro. Mas quando vejo um cara preto mal-vestido, sinto mais medo do que se fosse um branco mal-vestido. Certa vez, nos primeiros dias do meu primeiro emprego, quando não conhecia ninguém, tratei como faxineiro um professor universitário que, se não era meu chefe, ainda era hierarquicamente superior a mim. Diga-se que ele é um senhor muito respeitoso e simpático. Na minha juventude, nunca me senti atraído por uma negra do cabelo muito crespo, com lábio grande ou do nariz característico. Por essas e outras, confesso que, por mais que eu tente, sou racista, ou seja, o meu comportamento e meu pensamento são reprováveis quando se tratam de pessoas pretas. Não sou assim com japonês, nem com loiros, nem com índios, nem árabes. Só com pretos.

Quer dizer, racismo é terrível. O que eu faço é assombroso. Mas pelo menos estou tentando me redimir assumindo isso. Em regra, os não-pretos, pelo menos da minha geração pra antes, são racistas. Tem até preto que tem preconceito com pretos. Sou racista, mas gostaria de não ser. Mas é um negócio que já está integrado na minha criação: preto é pobre e, quando não está disponível para receber ordens minhas, está subtraindo algum utensílio ou dinheiro meu. E tem gente não-preto que diz que não tem nada com isso.

A riqueza do Brasil foi e é construída debaixo de sangue e suor de negros que vieram para cá sem pedir e sem saber por quê. Os europeus, até onde sei, só saquearam o que havia de mais acessível de valor. Hoje, poucas gerações após o fim da escravidão, o Brasil, apesar de seus altos e baixos, continua com bastante dinheiro. Só que os herdeiros são justamente os descendentes daqueles que saquearam o Brasil e o ônus ficou todo para os descendentes dos que construíram essa riqueza. E tem gente que diz que não tem nada com isso.

Cotas para negros em universidades e concursos públicos, fui radicalmente contra. Meus argumentos eram que isso só geraria mais preconceito e a qualidade dos estudantes e dos serviços ia cair. Hoje, vejo um país menos preconceituoso e com estudantes de universidade pública tão bons quanto os de antes e o serviço público também não piorou. Mas até hoje ouço aquela conversa sobre queda de qualidade. Consideremos que a houvesse: não seria justo facilitar o acesso a essas pessoas ao estudo de qualidade e gratuito e a sua inclusão no mercado de trabalho com boa remuneração? Os "brancos" e seus ancestrais são os principais responsáveis pela falta de condições e desmotivação que torna a condição social dos pretos inerte. Foi difícil para mim, como acho que é difícil para todo não-preto entender, compreender e conceber o fato de que o conforto dos clarinhos e a precariedade dos escurinhos de hoje têm a mesma injusta, terrível e desconcertante causa.

Ainda havia outros argumentos: a escola pública tem que ser de qualidade desde o ensino fundamental. Concordo e isso está faltando mesmo. Mas não exclui a validade de garantir os mesmos direitos aos mais velhos.

Os últimos argumentos são os mais pífios possíveis. Por usarem erroneamente fatos científicos para se justificarem, passam-se por consistentes: há trabalhos que dizem que não existem diferenças genéticas significativas entre o que chamamos de raças e, no Brasil, a mistura é tão grande que é impossível dizer da maioria se é mais preto ou menos preto. Eu digo que qualquer fato científico deve ser levado seriamente em consideração. Só que, em primeiro lugar, desconheço uma concepção biológica para raça. O conceito de sub-Espécie já é muito discutido, imagine-se, então, inventarem um táxon inferior a sub-Espécie? Com isso, para determinados casos, levar como científica uma concepção que não existe como única referência para tirar conclusões soa como irreal e não-prático. Sofista, até. Raça não é um fato biológico, portanto não se pode usar biologia para justificar sua existência ou inexistência. Mas raça é sim um fato histórico e um fato social. Nem precisamos entrar no mérito da conclusão de estudos genéticos entre as raças; raça é um fato étnico e, por que não?, geográfico. Quem não reconhece as diferenças físicas de um africano nativo e de um esquimó não merece ler o palpite de hoje. É assim, os biotipos são característicos e as características, evidentes. Não precisa de genética nenhuma para respaldar, refutar ou explicar isso. Também, ninguém precisa de um rastreamento genealógico brasileiro para dizer da maioria dos pretos, se eles de fato os são. Eles simplesmente são, tão reconhecivelmente como no caso anterior. Há sim os casos inconclusivos, mas esta é a exceção, e não a regra.

Atualmente, tenho visto alguns esforços publicitários para valorizar mais o preto. Isso é bom. Por causa disso, comecei a perceber a beleza das pretas, do lábio carnudo, do cabelo preto, da cor e da saúde da pele. Já tem até loira botando silicone na boca, fazendo penteados e esparramando debaixo de sol forte para ver se encara uma dessas. Também tenho visto outros pretos se dando bem na vida. Aquele ministro do STF, Dr. Joaquim Barbosa, com biografia que tem (que é muito mais importante que currículo) que o diga. Aquele cara é gênio e está coberto de razão nas suas causas dentro daquele ente.

Enfim. Sou racista, na pior concepção da palavra. Peço perdão a todos, por mim e pelos meus ancestrais europeus colonizadores, que cometeram outros erros, aliás. Esforço-me para me corrigir e quero pagar por esse comportamento. Os pretos merecem de todos os que se consideram não-pretos-nem-índios o esforço para reverter o preconceito e as deploráveis condições de vida que lhes proporcionaram.

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